sexta-feira, 26 de abril de 2013

"Políticos temem ser 'trollados' na internet", diz especialista



"Políticos temem ser 'trollados' na internet", diz especialista

Para o professor Celso Figueiredo Neto, da Universidade Mackenzie, poder das petições e abaixos-assinados eletrônicos é o de constranger os políticos

MARCELO OSAKABE
Nos últimos anos, uma série de abaixo-assinados e petições ganharam proporções na internet, em redes sociais como o Facebook e em sites que hospedam petições, omo o avaaz. A última delas foi contra a permanência do deputado pastor Marco Feliciano (PSC-SP) na presidência da Comissão de Direitos Humanos da Câmara, que reuniu
455 mil assinaturas. Embora muitos tenham uma atitude cética em relação a esses movimentos, para o professor Celso Figueiredo Neto, especialista em Comunicação pela Universidade Mackenzie, a internet e as redes sociais podem não apenas potencializar as formas de participação do cidadão comum, mas também transformar a própria maneira como ele é percebido pela classe política. Segundo ele, que trata do tema em artigo no recém lançado livro Propaganda política - Estratégias e história das mídias (Manhanelli Editorial), a grande novidade desses movimentos é prescindir de líderes carismáticos ou poderosos.
"A grande mudança que as petições via web trazem é a ausência de líderes. O modelo tradicional exige a presença de políticos de renome nas manifestações, em cima do carro de som discursando. O modelo baseado nas redes sociais prescinde de líderes tanto entre os organizadores dos eventos quanto entre os manifestantes. Repare que em todos os movimentos citados não sabemos nomear quem está por trás das manifestações", diz.
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ÉPOCA – Uma série de abaixo-assinados tem percorrido à internet, sobre os mais variados temas. Alguns poucos, como o da Ficha-Limpa, com dois milhões de assinaturas, tiveram sucesso. Outros, como o que era contrário à eleição de Renan Calheiros para presidir o Senado (1,6 milhão), fracassaram. Como podemos medir o poder real desse instrumento, e o que faz de um abaixo assinado desses ter poder ou não?
Celso Figueiredo Neto –
A tendência é os políticos utilizem as redes sociais de modo cada vez mais intenso, buscando contato com seus eleitores. Nessas condições as enquetes promovidas pelos políticos em seus sites, os abaixo-assinados preenchidos via Facebook e entregues as autoridades são uma maneira de o político "tirar a temperatura" da sociedade em relação aos mais variados temas. Por outro lado, essa aproximação tende a aumentar a cobrança do eleitor/ativista em relação ao seu deputado. Assim, parece-me haver certo receio por parte dos políticos de envolverem-se ou encamparem manifestações nas redes sociais, pois sabem que, se depois, por quaisquer motivos, "traírem" o movimento, serão cobrados e cobrados nas redes sociais, com potencial risco para sua imagem pública. Esse é o poder que as redes sociais parecem estar estabelecendo. Sua capacidade de destruir a imagem pública desse ou daquele personagem é relevante e muitos políticos não se aproximam delas ou fingem ignorá-las por receio de serem “trollados”, ou seja, perseguidos.
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ÉPOCA – Neste ano, tivemos importantes manifestações que se alastraram na internet, como os protestos contra a volta do senador Renan Calheiros (PMDB) à presidência do Senado e o pastor Marco Feliciano (PSC-SP). Entretanto, nenhuma das duas parece ter surtido efeito. Quais limites o senhor enxerga nesse 'ativismo de sofá'?
Figueiredo Neto –
O ativismo via redes sociais é uma maneira prática e desvinculada de estruturas políticas tradicionais de participação popular no sistema político. Entretanto, como é um modo novo de relacionamento social, esse sistema não tem o mesmo respeito da sociedade que os modos tradicionais de manifestação. Não podemos estabelecer limite já que é uma tendência consistente e que mantém em crescimento constante desde o advento das redes sociais. Como as manifestações via redes sociais está em franca expansão, seria precipitado apontar um limite. Fechar os olhos para esse tipo de participação popular, por outro lado, me parece temerário.
ÉPOCA – Por outro lado, causas que tem menos a ver com a rotina dos partidos e do Congresso em si, como a Marcha da maconha e redução da maioridade penal, após o assassinato do estudante Hugo Deppman, ou mesmo o combate à homofobia resultante da polêmica envolvendo o pastor Feliciano, parecem ter ganhado em simpatizantes até ilustres como FHC em relação à maconha ou Daniela Mercury em relação ao orgulho homossexual, embora isso ainda não tenha sido traduzido em conquistas efetivas. É possível estabelecer algum limite para esse tipo de ação?
Figueiredo Neto –
É impossível propor limites para fatos sociais extremamente recentes. Contudo, o que se pode afirmar é que as redes sociais tem se demonstrado opção para a sociedade externar seu pensamento acerca das questões em que está inserida. Um fator que deve ser considerado é a discrepância entre a pauta do Congresso e a das redes sociais. É possível considerar a questão da representatividade política estaria sendo posta em xeque. Uma vez que muitos dos temas discutidos no Congresso são ignorados pelos cidadãos e, por oposto, temas socialmente relevantes presentes nas redes sociais são ignorados pelo Congresso. Nesse sentido é possível enxergar essa questão de duas maneiras: ou estamos tratando de mundos distintos, paralelos, que não se relacionam ou estamos diante de um sistema de comunicação, conclamação e manifestação popular que subverte o sistema político tradicional e rompe a ideia de representatividade do político em relação à sociedade.
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ÉPOCA – Esse novo tipo de comportamento já demonstra alguma mudança em relação aos antigos modos de se protestar?
Figueiredo Neto –
A grande mudança que as petições via web trazem é a ausência de líderes. O modelo tradicional exige a presença de políticos de renome nas manifestações, em cima do carro de som discursando. O modelo baseado nas redes sociais prescinde de líderes tanto entre os organizadores dos eventos quanto entre os manifestantes. Repare que em todos os movimentos citados não sabemos nomear quem está por trás das manifestações. Até agora tínhamos a seguinte situação: um líder político, artista, ou sindicalista, que alavancava sua notoriedade abraçando causas e conclamando pessoas a participarem. Primavera árabe, Occupy Wall Street, Marcha da Maconha e das Vadias, campanhas contra Renan e Feliciano, nenhuma delas tem uma figura central. É claro que continua sendo necessário haver alguém para organizar, incentivar, postar mensagens conclamando os cidadãos, mas não é mais obrigatório se essa ou aquela determinada pessoa ou rosto. Podemos ler isso como uma eventual reação ao excesso de celebridades, embora o apoio delas seja benéfico. Numa perspectiva mais otimista, as redes sociais estariam trazendo de volta os conceitos originais de democracia. Não custa sonhar.
ÉPOCA – O que falta por parte dos organizadores e também dos cidadãos brasileiros que participam desses protestos para tornarem suas manifestações mais efetivas, quer dizer, que consigam maior ressonância na classe política?
Figueiredo Neto –
Ao organizador, cabe a ele a difícil tarefa de incentivar, conclamar a participação popular sem se tornar tendencioso ou proselitista. Não é tarefa simples. Para o cidadão, entendo que a maioria das pessoas que assinam petições como a de Belo Monte, por exemplo, pouco sabem das várias questões que estão ali implicadas. Há, portanto, certa superficialidade na população, muitas vezes assinando uma petição porque é "cool" participar, mudando o nome para um termo indígena e coisas do gênero. Também, considero que o baixo comparecimento nos eventos marcados tende a diminuir a força de pressão desse tipo de manifestação. Mas é preciso levar em conta que mesmo que tenhamos, digamos 5 mil confirmações de participação em um evento e apenas 500 pessoas comparecendo, o fato é que 500 pessoas compareceram - isso é relevante, pois antes dessa ferramenta social, não se conseguia reunir público em torno de uma demanda social, a não ser com a presença de grandes celebridades ou em temas de amplo impacto social, como as diretas já, ou os caras-pintada.

O professor Celso Figueiredo Neto, da Universidade Mackenzie, escreveu artigo no livro Propaganda política - Estratégias e história das mídias  (Foto: Rogério Cassimiro)

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